A 5ª Câmara do TRT-15 deu provimento ao recurso de um trabalhador da Ambev S.A. que alega ter perdido a audição, além de ter adoecido por intoxicação em serviço, e aumentou de R$ 10 mil para R$ 30 mil o valor da indenização por danos morais a ser pago pela empresa.
De acordo com os autos, o reclamante trabalhou na empresa como operador, e mantinha contato com produtos químicos que, segundo afirmou, desencadearam nele uma doença hepática (esteatose hepática). O perito médico concluiu que o trabalhador de fato é portador de esteatose hepática, nome que se dá ao acúmulo de gordura no fígado, mas em seu laudo ele concluiu que a doença está diretamente relacionada com a obesidade do reclamante, e não com o uso do solvente “Glue Off BQ 355”, usado pelo empregado no setor de rotulagem de garrafas PET, onde atuava. A doença foi detectada em 17/4/2012, e em razão desse fato, no dia 7/12/2012, o empregado foi transferido para outro local de trabalho, segundo a empresa, sem riscos de toxicidade, “alocado na atividade de despaletizadora da Linha 564”, sob o fundamento de que “as aferições dos níveis do agente químico nesse ambiente de trabalho encontram-se abaixo do Nível de Ação e, portanto, abaixo dos Limites de Tolerância”. A empresa ressaltou também que embora esse posto de trabalho não traga risco de toxicidade, “o colaborador continuará passando por acompanhamento de suas funções hepáticas a fim de se monitorar demais causas de alteração metabólica”.
Para o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Campinas, que julgou o caso, o ponto consiste em saber se a doença hepática foi causada – ou teve como um de seus fatores (nexo de concausalidade) – as atividades desempenhadas pelo trabalhador, ou se decorreram de eventos não relacionados ao trabalho, e, também, “se a mudança de local de trabalho do empregado foi uma forma de se evitar a exposição continuada a um agente hepatotóxico ou se tratou de observância dos princípios da precaução e prevenção, que, embora relacionados ao Direito Ambiental, também se aplicam ao Direito do Trabalho em vista do disposto no art. 200, VIII, da Constituição da República”.
O entendimento do relator do acórdão, desembargador Samuel Hugo Lima, no mesmo sentido do que foi julgado em primeiro grau, se baseou num relatório de 2017 (juntado aos autos) feito numa inspeção na empresa pela Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Campinas, a pedido do Ministério Público do Trabalho, para instrução específica num outro processo, especialmente com relação aos exames de avaliação de função hepática dos trabalhadores da empresa. Segundo esse documento, constatou-se que “a exposição a solventes com potencial hepatotóxico – ou seja, com capacidade de lesar células do fígado – foi claramente caracterizada, no ato de fiscalização, nos setores de rotulagem de garrafas ‘pet’, denominados pela empresa pelos números 561, 562, 563, 564, 565”.
No setor 561, semelhante ao que o empregado atuava, foi verificado, por exemplo, que era usado um solvente de nome comercial ‘GLUE-OFF BQ 355, com risco evidente à saúde, principalmente porque os empregados não se utilizavam de nenhum tipo de equipamento de proteção individual (EPI), “tal como luvas e/ou creme protetor e/ou máscara respiratória com filtro contra vapores orgânicos, conforme indicado na Ficha de Informações de Segurança para Produtos Químicos – FISPQ do produto”. Além disso, “não existia no setor nenhum tipo de sistema de exaustão de tal maneira que pudesse – de forma eficaz – eliminar e/ou minimizar, também, a exposição aos vapores do citado solvente, que certamente estavam presentes no ambiente, visto que o trabalhador utilizava uma homotolia (bisnaga de plástico), com bico em forma de letra ‘L’ (ele) para espirrar o solvente ‘GLUE-OFF BQ 355’ nas engrenagens da máquina rotuladora, para evitar que o rótulo grudasse nas paredes da máquina”.
A inspeção constatou ainda que, em determinado momento da operação, “o trabalhador interrompeu o movimento da máquina para retirar pedaços de rótulos que estavam presos nas engrenagens e, neste momento, para fazê-lo, abriu a proteção de acrílico que recobria as engrenagens da máquina rotuladora, com consequente, e evidente, contato respiratório com os vapores do solvente citado, que sendo um solvente à base de hidrocarbonetos, é, sabidamente, volátil em condições normais de pressão e temperatura, e cujos vapores são considerados prejudiciais à saúde, como informado na FIPSQ já citada, bem como contato dérmico direto com o produto, que também pode ser absorvido pela pele por ser lipossolúvel (esta propriedade fisicoquímica permite à substância atravessar membranas celulares), pois as mãos do trabalhador atingiram partes da máquina que estavam molhadas pelo solvente espirrado, bem como ele arrancou partes dos rótulos que já haviam recebido espirros do ‘GLUE-OFF BQ 355’, o que comprovou, de maneira inequívoca, o contato do produto com a pele”.
O mesmo relatório constatou também que o caso mais característico e grave de hepatite tóxica não ocorreu com os operadores de rotuladora, mas com um mecânico de manutenção, que foi atendido, em 4/8/2009, no Plantão de Atendimento da Gerência Regional do Trabalho em Campinas, e que apresentou quadro clínico e exames clínicos compatíveis com quadro de hepatite tóxica. O mecânico de manutenção informou que para realizar operações de limpeza de equipamentos utilizava, diariamente, vários tipos de solventes, dentre eles o GLUE OFF BQ 355, principalmente quando fazia limpeza dos cilindros nas rotuladeiras.
Esta patologia tem quadro clínico e laboratorial muito típico, sendo que, para se firmar tal diagnóstico é preciso o seguinte: “primeiro – se afastarem outras patologias hepáticas, mormente as hepatites infecciosas, que pudessem apresentar alterações laboratoriais semelhantes; segundo – o trabalhador apresenta melhora do quadro clínico e laboratorial com o afastamento do trabalho e piora quando do retorno ao trabalho. Foi o que ocorreu, efetivamente, com o quadro de um dos operadores de rotuladeira e com o mecânico de manutenção e ambos apresentaram quadro de hepatite tóxica. Pode-se concluir que esses casos citados foram, realmente, casos de hepatite tóxica porque tiveram a lesão no fígado que ocorreu após a exposição, com a melhora dos exames quando os trabalhadores se afastaram da exposição”.
O colegiado entendeu, assim, que no caso “não há como excluir a culpa da reclamada, ante a negligência com as medidas de segurança adequadas para evitar o infortúnio”, e como exemplo dessa responsabilidade, citou que “a empresa somente alterou o posto de trabalho cerca de 5 meses depois dos resultados anormais de exames do reclamante”. Já no que tange à indenização pela perda auditiva, deferida pelo Juízo de primeiro grau em pensionamento de 15% do último salário recebido, desde o ajuizamento da ação até o autor completar 72 anos de idade, facultado ao empregado receber em parcela única, fixada em R$ 40 mil, o colegiado entendeu que, pela comprovada inexistência de redução da capacidade laborativa, havendo apenas estimativa de redução sobre a capacidade social, conforme concluiu a perícia, “não há que se falar em pensão mensal, que deve ser excluída”.
Quanto à indenização por danos morais, porém, o acórdão entendeu que o valor de R$ 10 mil para os dois fatos (doença hepática e perda auditiva) merecia ser aumentado para R$ 30 mil, pois deve ser levada em conta a possibilidade de o autor vir a contrair câncer, o que causaria um dano existencial, justificando a elevação da indenização. O colegiado considerou que mesmo não tendo gerado incapacidade laborativa, houve um nexo causal, “o que também deve ser levado em consideração”, e que a empresa foi responsável pela angústia do trabalhador pela “considerável demora na alteração do posto de trabalho”. (Processo 0001097-43.2013.5.15.0032)
Fonte: site do TRT da 15ª Região