A Justiça do Trabalho de Minas Gerais condenou a mineradora Vale S.A. a pagar R$ 250 mil de indenização por danos morais a tio de trabalhador morto no rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho-MG. A decisão é do juiz Osmar Rodrigues Brandão, que julgou o caso na 5ª Vara do Trabalho de Betim. A vítima prestava serviços para a mineradora por meio da empresa Preserves Penha Ltda., que foi condenada a responder de forma solidária pelo valor de R$ 12.500,00.
Na decisão em que analisou detidamente as diversas questões envolvendo o caso, o magistrado acolheu o valor de R$ 250 mil postulado pelo familiar, ponderando que a importância representa, na verdade, menos de R$ 50 mil, hoje, uma vez que a Vale opera em dólar. Para o julgador, o caso de Brumadinho não encontra parâmetros na jurisprudência brasileira, revelando “verdadeiro atestado de incompetência do próprio Estado Brasileiro”, por se tratar de reincidência, com 270 vítimas fatais diretas e imediatas.
“Falhou o Estado Brasileiro legislador – ao não elaborar leis mais duras para casos desse jaez, falhou o Estado Brasileiro executor – ao não executar/fiscalizar a atividade e determinar as medidas necessárias a impedir o evento. Conforme já ressaltado anteriormente, resta agora ao Estado-juiz o paliativo – com todo o sentimento de impotência diante de tamanha tragédia anunciada”, registrou na decisão.
São os fundamentos da sentença, que abordaremos nesta matéria especial, para marcar um ano e dez meses da tragédia, que se completam neste 25 de novembro de 2020.
Entenda o caso – Na ação, o tio alegou que mantinha fortes laços afetivos com o sobrinho, que era muito presente em sua vida. A vítima teria morado, quando criança, na mesma casa, e, depois de alguns anos, teria se mudado para uma residência próxima. Estavam sempre juntos, um frequentando a casa do outro. Tinham relação afetuosa como se fossem irmãos, eram companheiros de festas, conforme fotos apresentadas. Ainda de acordo com o tio, a morte do sobrinho causou grande impacto em sua vida, estando na atualidade com quadro depressivo acompanhado por sentimento de culpa. Para o tio, se tivesse mudado o sobrinho de emprego, ele não teria sido vítima da tragédia.
“A família está desolada, muito abalada emocionalmente, sendo que a prova documental juntada neste ato demonstra que toda a família era muito unida. É fato que o desastre destruiu a harmonia dessa família, uma vez que o sobrinho era a alegria da família, estava sempre na casa dos avós, era o primeiro a chegar nas festas de aniversários, batizados, casamentos, alegrando a todos com suas brincadeiras, conforme comprovam as fotos anexas, razão pela qual a extensão dos danos causados foram indescritíveis”, constou da petição inicial.
Em defesa, a Vale S.A., como tomadora dos serviços e a Preserves Penha Ltda., como empregadora da vítima, não negaram os fatos. Basicamente sustentaram não haver dano a indenizar ao tio, em razão do grau de parentesco.
Aplicação da lei – Conforme destacou o julgador, no campo da eficácia, cabe ao juiz observar os critérios de aplicação da lei no tempo e no espaço. Por ausência de dispositivo próprio na CLT, aplica-se o disposto no artigo 14 do CPC de 2015, segundo o qual: “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Ele se referiu à teoria do isolamento dos atos processuais, pela qual os atos processuais são regidos pela lei vigente ao tempo em que praticados (tempus regit actum), apontando que ela atende à efetividade do processo, que, por sua dinâmica e considerando o tempo natural de sua duração, não pode “parar no tempo” da lei processual superada, e, ao mesmo tempo, atende ao princípio da segurança jurídica.
O juiz ponderou que, se por um lado, dada a dinâmica do processo, não há que se falar em direito adquirido a regime jurídico processual, por outro lado, o resguardo dos atos processuais praticados conforme a lei vigente ao tempo em que praticados (tempus regit actum) atende ao princípio da segurança jurídica.
“Ao jurisdicionado, por saber previamente as regras do jogo (LINDB 3º) – inclusive da regra da aplicação imediata da lei processual à luz da teoria do isolamento dos atos processuais (tempus regit actum), conforme iterativa e notória jurisprudências -, não cabe alegar surpresa”, registrou na sentença.
Eficácia da lei material – O juiz citado destacou na sentença que, em se tratando de direito material trabalhista, “Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação”, nos termos do artigo 912 da CLT.
Mas, segundo observou, ressalva deve ser feita quando a lei trata da formação da relação jurídica, caso em que se aplica o disposto no artigo 6º e parágrafo 1º, da LINDB:
“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.
Jurisprudência consolidada ao tempo da lei a que corresponde – Nesse ponto, o magistrado indicou que a aplicação “deve corresponder ao tempo da lei vigente sobre a qual se firmou aquela jurisprudência consolidada, que nada mais é que a síntese da interpretação da legislação vigente correlata”. Sobre a sobre aplicabilidade da Lei 11.467/2017, o juiz concluiu que“fica registrado desde já que a fundamentação jurídica desta sentença está de acordo com os critérios acima explicitados, e a legislação e a jurisprudência citadas são as que estavam em vigor ao tempo do ato processual tratado e da formação da relação jurídica quando esta for objeto de exame (LINDB 6º), ou do fato gerador quando se tratar de instituto de trato sucessivo ao longo do contrato de trabalho (CLT 912)”.
Legitimidade ativa ou passiva – E o juiz também rejeitou a arguição em questão. No aspecto, lembrou que as chamadas “condições da ação” são aferidas em abstrato, pelas alegações trazidas na petição inicial. Nesse sentido, o artigo 18 do CPC dispõe que “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. Registrou, ainda, que a legitimidade consistente na pertinência subjetiva da ação (Liebman) diz respeito à posição da parte na relação jurídica de direito material.
“Se a parte autora afirma ser titular de um direito ao qual corresponda obrigação que atribui à parte ré, aquela é a legitimada natural a postular, e esta, a contestar (NCPC 17, 18)”, explicitou, apontando haver que se distinguir o direito à reparação de danos em tese sofridos pela própria vítima – que, sobrevindo a morte do titular, transmite-se por herança (artigo 943 do Código Civil) – de danos em tese sofridos pela própria pessoa que postula.
O magistrado explicou que, no caso de indenização por danos morais, é preciso ver a causa de pedir e o pedido. Se é alegado dano moral sofrido em tese pelo falecido, a titularidade para postular é dos sucessores (artigo 943 do Código Civil). Se alegado dano moral sofrido, em tese, pelo próprio postulante, o dano, no caso, segundo a causa de pedir, foi sofrido pelo postulante, que, portanto, detém legitimidade para postular (artigos 17 e 18 do NCPC).
“Se a parte autora de fato faz jus ao direito alegado – no caso, precisamente, se tio tem capacidade para sofrer dano moral em razão da perda de sobrinho – e se a ré tem a obrigação ou responsabilidade correspondentes, estas são questões próprias do mérito”, explicou. Em outras palavras: “Não se pode afirmar, a priori/ em abstrato e como verdade absoluta que prescinde de verificação: ‘tio não sofre dano moral em razão da morte de sobrinho’ ou vice-versa”.
Para o julgador, o que se pode ter por razoável é estabelecer presunção – relativa – da existência do dano em relação a determinados graus de parentesco, mais próximos, e da não existência em relação a outros graus, mais remotos, para fins de prova.
Litisconsórcio necessário ativo – Em defesa, a Vale argumentou que as informações contidas na petição inicial e pagamentos já efetuados dariam conta de que outras pessoas devem figurar no polo ativo do presente feito uma vez que existem outros herdeiros do falecido, nos exatos termos do artigo 618 do CPC e do artigo 1º da Lei nº 6.858/1980. Afirmou que “os demais herdeiros devem integrar a lide, uma vez que são litisconsortes necessários, por haver entre eles comunhão de direitos decorrentes do falecimento do trabalhador”. Para a empresa, ao caso deve ser aplicado o mesmo raciocínio do benefício previdenciário da pensão por morte, em que se exige no polo da ação a presença de eventuais titulares do mesmo direito pleiteado pelos reclamantes.
Mas o julgador rejeitou os argumentos. Para tanto, lembrou que o 114 do CPC prevê que: “O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”. E, nos termos do artigo 116: “O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”.
O juiz considerou que a pretensão deduzida na ação se trata de direito individual, ponderando que a própria ré questiona se o dano moral alegado poderia ser sofrido pelo titular da ação, na condição de tio do falecido, ao passo que não questiona o mesmo direito em relação a genitores.
“Nem mesmo em tese trata-se de comunhão de direitos, nem de relação jurídica que deva ser decidida de modo uniforme comparando os autores desta ação com “herdeiros” ou dependentes”, ressaltou, avaliando que tampouco se cogita nos autos se a parte autora ostenta condição de herdeira ou dependente do falecido. “Definitivamente, não se trata aqui, portanto, de direitos hereditários ou de natureza equivalente”, concluiu.
Fatos incontroversos dos quais se presume o dano moral no caso concreto – De acordo com as ponderações do julgador, não há sentido em se afirmar existência ou inexistência de dano moral pela morte de alguém, a partir tão somente de determinado grau de parentesco ou inexistência dele. O que “a Lei” (sentido amplo) diz, em termos gerais, é o que também decorre do preceito geral do direito de “não lesar ninguém” e, como decorrência, quem o fizer tem o dever de reparar o dano.
Com amparo na Constituição (artigo 5º) e no Código Civil (artigo 186), ele ponderou que o que se deve perquirir, no caso concreto, simplesmente se o dano alegado se verifica ou não. “Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que o gerou”, conforme destacou o ministro Carlos Alberto Menezes Direito (Terceira Turma, REsp 323.964/RJ, julgado em 06/09/2001, DJ 22/10/2001, p. 320).
“Precisamente, considerando que o dano moral é fenômeno que não se toca, não se demonstra, o que se exige é o fato capaz de ensejar dano moral”, explicitou na decisão.
Caso concreto – Para o juiz, não há controvérsia fática no caso dos autos. Isso porque a mineradora Vale S.A. não impugnou ou negou a afirmação da inicial, o que a tornou incontroversa. Após tecer considerações a respeito dos dispositivos legais que embasaram a conclusão, o juiz presumiu os fatos como verdadeiros.
De todo modo, ele também considerou que os fatos alegados foram provados por documentos. Como exemplo, destacou o relatório médico psiquiátrico, que relata que o autor “evolui com sintomas depressivos desde o evento trágico em Brumadinho” e fotos de convívio que corroboram o “forte” vínculo afetivo alegado na inicial.
Responsabilidade da Vale – Na avaliação do juiz sentenciante, não há dúvida de que a Vale deve indenizar o autor. Nesse sentido, destacou que a empresa assumiu sua responsabilidade jurídica pelo acidente e também não negou sua culpa. Nesse aspecto, considerou não haver nem mesmo questão de direito. O magistrado pontuou que o que a que a Vale questiona, no caso concreto, é o dano sofrido pelo autor, o que ficou superado no bojo da decisão.
Responsabilidade da empregadora da vítima – A responsabilidade solidária da empregadora foi reconhecida, com base no que preveem os artigos 932, III, 933 e 942 do Código Civil.
Ao rejeitar o argumento da reclamada, o juiz ressaltou que o fato de terceiro, diferentemente de afastar nexo causal ou caracterizar caso fortuito ou força maior, pode atrair a responsabilidade pela reparação por outrem – “ainda que não haja culpa de sua parte” – conforme dispõem os artigos 932 e 933 do Código Civil.
No que diz respeito à garantia de um meio ambiente seguro e saudável, destacou que o tomador de serviços terceirizados funciona como preposto do empregador e citou o parágrafo 3º do artigo 5º-A da Lei 6.019/74 (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017).
Sendo incontroversa a responsabilidade por culpa da tomadora/contratante (culpa, conforme esclareceu, considerada em sentido lato, já que a responsabilidade penal da Vale ou de seus prepostos ainda é objeto de apuração) e que a empresa funcionava como preposta da empregadora/contratada – para fins de garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, o magistrado concluiu que a empregadora deve responder, nos termos do artigo 932, inciso III, do Código Civil.
Na visão de Osmar Brandão, a empregadora não fez tudo que estava ao seu alcance para evitar que seu empregado fosse vítima do acidente a que a tomadora de serviços – com a qual contratou – deu causa. Ele considerou que, ao estipular ou aceitar contratar com ela, a empresa teve oportunidade de exigir garantidas de cumprimento, assim como de fiscalizar o cumprimento, pela tomadora, de todas as medidas de segurança no ambiente de trabalho de modo a preservar a vida.
O juiz chamou a atenção para o fato de a empregadora não ter alegado, tampouco especificado qualquer exigência que tenha feito nesse sentido para contratar com a Vale. Seja pela chamada culpa “in eligendo” ou culpa “in vigilando”, seja independentemente de culpa, nos termos dos artigos 932 e 933 do Código Civil, reconheceu a reponsabilidade da empregadora pela reparação civil no caso.
Inaplicabilidade dos artigos 223-A a 223-G da CLT ao caso – Para o magistrado, os artigos 223-A e 223-G da CLT – dispositivos acrescidos pela Lei 13.467/2017 e que tratam do dano extrapatrimonial na relação de trabalho – não se aplicam ao caso. Isso porque essas normas versam sobre a relação entre empregado e empregador e, no caso, a discussão gira em torno de dano moral próprio, sofrido por familiar, e não pelo empregado. Nesse contexto, de acordo com Rodrigues Brandão, a fundamentação legal do dever de indenizar, no caso, encontra-se toda na legislação civil (CR/88 e Código Civil), e não na CLT.
Inconstitucionalidade dos artigos 223-A a 223-G da CLT – Além disso, na sua visão, essas regras são inconstitucionais, tendo em vista que, ao disporem sobre o dano extrapatrimonial, fazem restrição à condição de empregado da pessoa, impondo tratamento discriminatório e ferindo a característica de universalidade dos direitos fundamentais, em ofensa à Constituição Federal (artigo1º, itens III e IV; artigo 3º, itens I e IV; artigo 5º “caput” (isonomia), parágrafos 2º e item X).
Sobre a tarifação da indenização por danos morais, também prevista nas normas mencionadas, lembra que a jurisprudência notória do STF reconhece a inconstitucionalidade da lei que impõe esses limites, não previstos na Constituição brasileira, ao direito fundamental à reparação por dano moral. Em controle difuso, a sentença reconheceu a inconstitucionalidade dos artigos 223-A a 223-G da CLT e destacou que a quantificação do dano moral deve ser feita considerando a extensão do dano e a gravidade da culpa, nos termos do artigo 944 do Código Civil, segundo o qual: “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.” Tratando-se da perda de um ente querido, como no caso, a extensão do dano é incomensurável e a indenização pecuniária, por maior que seja, funciona apenas como um paliativo, registrou.
Valor da indenização para cada responsável conforme o grau de culpa – Tendo em vista as circunstâncias especiais que envolvem o caso, o julgador entendeu que cabe distinguir a gravidade da culpa da empregadora do trabalhador falecido (Preserves Penha Ltda.) e da tomadora do serviços (Vale S.A.), para fins de fixação dos valores integrantes da responsabilização de cada uma.
Grau de culpa e valor da indenização em face da Vale – A empresa tomadora dos serviços – Vale S.A. – não negou sua responsabilidade pelo evento que causou a morte do trabalhador e, segundo pontuou o juiz, assim o fez “porque reconhece sua culpa”. Conforme ressaltado na decisão, o caso ainda é objeto de apuração na esfera criminal, onde não se descarta nem mesmo a hipótese de dolo, tanto é que, como é de conhecimento geral, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou possíveis responsáveis por crime de homicídio doloso, por cuja conduta a Vale S.A. responde.
Apesar disso, como notou o magistrado, a empresa nem mesmo alegou que tomou medidas de prevenção ou precaução e sequer negou que poderia ter evitado o que é considerado o maior acidente do trabalho ocorrido no Brasil, com 270 vítimas fatais, sendo 259 mortes confirmadas pelo IML e 11 ainda desaparecidas, até a data da sentença.
Na sentença, o magistrado chamou atenção para o fato de que nem todos os elementos que evidenciam a culpa da Vale virão materializados nos processos sobre a tragédia e que correm contra a empresa. Ponderou que, entretanto, em que pese o velho brocardo “quod non est in actis non est in mundo” (o que não está nos autos não está no mundo), o juiz não pode também fechar os olhos para a realidade que o cerca, sobretudo nos tempos atuais à luz do princípio da conexão.
“O juízo que se faz para julgar não é necessariamente de certeza, mas de probabilidade”, destacou, entendendo-se como “probabilidade” a convergência de elementos que levam razoavelmente a crer numa afirmação e superam a força de convicção dos elementos divergentes.
E, em termos de probabilidade, considerou o magistrado que a mineradora (Vale) agiu, senão com dolo (ainda que na modalidade eventual), no mínimo, com culpa gravíssima, tendo em vista que nem mesmo negou que o acidente – que vitimou, direta e imediatamente, 270 pessoas – poderia ter sido evitado.
Além disso, lembrou que se tornou público e notório (CPC 374, I) que a tragédia decorreu do método construtivo de barragem adotado por opção da Vale, cujo risco era conhecido, tratando-se, inclusive, de reincidência da empresa, tendo em vista o rompimento da barragem do Fundão, do mesmo tipo, em Mariana-MG, no ano de 2015.
Indenização punitiva – Ao fixar a indenização a ser paga pela Vale ao autor em R$ 250 mil (no valor por ele pretendido), o juiz considerou a extensão do dano, a gravidade da culpa da mineradora e o caráter reparador-pedagógico/punitivo da indenização. Ele ainda lembrou que, tendo em vista a referência de valor praticado pela ré (dólar), isso representava, na época da sentença, menos de R$ 50 mil.
Tragédia “sem precedentes” – Segundo observou o juiz, quando se trata de acidente de trabalho, é imprescindível o caráter pedagógico das indenizações, como forma de combate ao grande número de acidentes do trabalho, típicos ou equiparados. Ele explicou que a jurisprudência costuma invocar seus próprios parâmetros, com base em decisões anteriores. Ressaltou que, entretanto, é preciso reconhecer que o acidente de Brumadinho não encontra precedentes, e, dessa forma, não encontra parâmetros na jurisprudência brasileira, simplesmente porque a tragédia ocorrida não encontra parâmetros na realidade histórica dos fatos. Para o magistrado, a própria mineradora reconhece esse fato ao pagar indenizações em valores muito superiores aos praticados na jurisprudência brasileira – até porque, conforme se sabe, a ré opera em dólar, que se encontra à razão de mais de 5 vezes o valor da moeda local.
Gestão ambiental falida, reincidência e atestado de incompetência do Estado Brasileiro – Lembrando Sérgio Cavalieri Filho, segundo o qual “Mariana pode entrar na história como ‘prova de que nossa gestão ambiental está falida’”. (Programa de Responsabilidade Civil (p. 118). Atlas. Edição do Kindle), a sentença frisa que, no caso do rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, por se tratar de reincidência, com 270 vítimas fatais diretas e imediatas, com muito maior razão tem-se um verdadeiro atestado de incompetência do próprio Estado brasileiro.
“Vale dizer, falhou o Estado brasileiro legislador – ao não elaborar leis mais duras para casos desse jaez, falhou o Estado brasileiro executor – ao não executar/fiscalizar a atividade e determinar as medidas necessárias a impedir o evento”, destacou o juiz, acrescentando que “resta agora ao Estado-juiz o paliativo – com todo o sentimento de impotência diante de tamanha tragédia anunciada”.
O julgador ressaltou que, além do mais, espera-se que as indenizações pagas pela mineradora sejam suficientes “para alterar o ‘status quo’ da comunidade local, tornando-a menos dependente, de modo a ter autonomia e liberdade diante de atuações desastrosas como a da ré, que culminaram em tão nefasta tragédia que eliminou a um só tempo 270 vidas”.
Grau de culpa e valor da indenização a ser pago pela empregadora (Preserves Penah Ltda.) – Como visto, a Vale foi condenada a pagar ao autor (tio do trabalhador) indenização por danos morais de R$ 250 mil. Destes, a ex-empregadora do falecido responderá solidariamente por R$ 12.500,00, correspondente a 1/20 da parte do valor atribuído à mineradora. As responsabilidades foram fixadas tendo em vista o grau de culpa e a capacidade econômica das empresas, com aplicação dos princípios da proporcionalidade e equidade.
A responsabilidade imposta à empregadora, segundo explicou o juiz, decorre de “previsão legal de responsabilidade por fato de terceiro” – no caso a Vale S.A., ainda que não tenha havido culpa da empregadora, nos termos dos artigos 932 e 933 do Código Civil.
A condenação da Preserves Penha Ltda. também se baseou na culpa in eligendo” ou “in vigilando”, concretizadas na “escolha” da empresa com a qual ela firmou contrato de prestação de serviços (Vale) e na ausência de fiscalização das condições de trabalho, mesmo porque, como pontuou o juiz, a empregadora “nem sequer alegou, tampouco especificou qualquer exigência que tenha feito nesse sentido para contratar com a 2ª ré”.
A diferença de valor da parcela atribuída à responsabilidade de cada empresa decorre da evidente e grande diferença entre os graus de culpa de ambas na ocorrência da tragédia que tirou a vida do trabalhador. O juiz ainda ressaltou que não existe qualquer elemento para que se considere a existência de dolo eventual da empregadora, ao contrário do que ocorre com a Vale S.A. Para a fixação da indenização também foi considerado, para fins do efeito pedagógico/punitivo, “a diferença abissal”, nas palavras do juiz, entre a capacidade econômica da Vale, com capital social de R$ 77,3 bilhões, e a da empregadora, com capital social de R$ 100 mil.
Fonte: site do TRT da 3ª Região (Minas Gerais)